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5 de fev. de 2015

CAOS


Também conhecida por teoria das estruturas dissipativas, propõe que o mundo não segue um modelo ordenado, previsível e determinado, mas é antes o resultado de uma seqüência desordenada de fenômenos caóticos, e que a imprevisibilidade e a instabilidade existem intrinsecamente no mundo e não resultam apenas da ignorância do observador.
Em sua forma vulgarizada é comum apresentar a teoria do caos referida ao famoso “efeito borboleta”, muito explorado nos filmes de ficção científica. A suposição de que “o bater das asas de uma borboleta na Califórnia pode causar um maremoto no mar da China”, ou outra proposição exótica igualmente exagerada, costuma ser utilizada com o propósito de chocar o leigo, mas se explicaria através de uma seqüência de relações de causa e efeito arbitrariamente selecionadas numa cadeia de eventos que atua como um grande amplificador de resultados. Pois bem, exagerada ou não, vou tomar essa quase brincadeira como ponto de partida para começar a falar da teoria do caos.
Inicio considerando as relações de causa e efeito. Do ponto de vista qualitativo, as relações causa-efeito podem ser concebidas de três maneiras distintas: (1) como vínculos unidirecionais: A causa B, B causa C, etc, sem que os efeitos resultantes voltem a exercer influência sobre as causas originais; (2) como eventos independentes: cada evento ocorre por azar, independentemente dos outros, o que em termos práticos equivale a dizer que, na verdade, não há nem causas e nem efeitos; (3) como vínculos circulares: A causa B, B causa C, e C volta a causar A; ou seja, os efeitos voltam a influir sobre as causas, e por consequência cada evento é ao mesmo tempo causa e efeito.
A teoria do caos, na medida que considera que existem processos aleatórios, trata os eventos como independentes; entretanto, quando considera que nem todo processo é verdadeiramente caótico, mas que há algum tipo de ordenamento - de outro modo ninguém poderia mesmo fazer ciência -, também defende a existência dos vínculos causais. É essa aparente contradição que eu gostaria de explorar agora.
Do ponto de vista quantitativo, temos também três alternativas para a correspondência entre causa e efeito: (A) a causa e o efeito são proporcionais; (B) uma pequena causa produz um grande efeito; e (C) uma grande causa produz um pequeno efeito.
Parece-me que a primeira alternativa, a proporcionalidade entre a causa e o efeito, pode ser considerada como um tipo de caso padrão. Na mecânica clássica, a terceira lei de Newton fala de proporcionalidade: “Quando um corpo A exerce uma força sobre um corpo B, este exerce sobre A uma força de mesmo módulo, mesma direção e sentido contrário sobre A“, e muitos outros exemplos poderiam ser elencados: a lei de Hooke [1], a lei de Boyle [2], a lei de Ohm [3] etc, todas rezam algum tipo de proporcionalidade entre causa e efeito.
Todavia, também são bastante comuns os casos de pequenas causas que produzem grandes efeitos. Como primeiro exemplo recordo Arquimedes - “Dei-me uma alavanca e um ponto de apoio e eu moverei o mundo” - e depois uma grande quantidade de eventos físicos cotidianos bem conhecidos: a ponta de um alfinete que encosta num balão, uma pequena gota de água a mais que faz transbordar toda uma banheira, etc.
Há ainda, é claro, os casos em que uma grande causa produz um pequeno efeito. Essa classe de eventos não nos interessa particularmente agora mas, para completar os exemplos, cito as relações de conversão entre massa e energia, quando a teoria da relatividade ( e = mc2 ) revela a enorme quantidade de energia necessária para acrescentar uma pequena quantidade de massa em um sistema fechado.
De volta ao “efeito borboleta”, concluímos então o seguinte: (a) trata-se de uma cadeia de vínculos unidirecionais, se consideramos que o que ocorrerá no futuro não afetará novamente o passado, retroativamente; (b) trata-se de um caso de pequenas causas produzindo grandes efeitos; (c) dada a complexidade das variáveis é impossível prever o que ocorrerá no futuro; e, portanto, (d) é impossível exercer algum controle na influência das causas sobre os efeitos, ou seja, tanto é impossível impedir que alguma borboleta voe em algum lugar da Califórnia quanto é impossível impedir o que ocorre depois como efeito disso.

Dois modelos de mundo

De um lado temos a teoria determinista e do outro temos a teoria do caos.
A teoria determinista está representada por Newton, Laplace e outros pensadores do séc. XVII em diante. No séc. XX encontrou um grande defensor em Einstein [4], mas talvez o seu representante mais autorizado seja o matemático francês René Thom, recentemente falecido [5]. Segundo o modelo determinista, o universo funciona como um relógio regido pelas imutáveis leis da natureza, não existindo nele lugar para o azar. Isso implica na possibilidade de prever a ocorrência de qualquer fenômeno físico B uma vez conhecida a situação anterior A e as leis que regem o processo que vai de A a B. Como resultado, os deterministas atribuem o azar ao desconhecimento das leis que regem o processo natural ou ao desconhecimento da situação inicial.
Comparativamente ao modelo determinista podemos dizer que a teoria do caos é ainda recente como ciência. Entre os nomes associados aos seus representantes encontramos Niels Bohr [6], Predrag Cvitanovic [7], Leo Kadanoff [8], Ilya Prigogine [9].
Como porta de acesso possível para entender o novo modelo, escolho o trabalho de Prigogine. Enquanto a termodinâmica clássica tratava principalmente dos processos reversíveis, e na química dos processos com estados de equilíbrio, Prigogine se interessava pelos sistemas em não-equilíbrio, que acreditava serem os mais comuns no mundo real. Ele desenvolveu modelos matemáticos para esses sistemas e pode demonstrar, em termos gerais, como as estruturas dissipativas (como ele as denominou) são criadas e mantidas. No quadro, observa-se que todos os sistemas inanimados tendem em geral a um estado de crescente desordem (aumento de entropia), enquanto que os sistemas vivos atingem um estado organizado e ordenado a partir de matérias relativamente desorganizadas. Isso levanta duas questões nucleares para a teoria do caos:
  1. Como ocorre a passagem do caos para a ordem?
  2. Como ocorre a passagem da ordem para o caos?
A teoria do caos, no seu essencial, sustenta que a realidade é um entrelaçamento de ordem e desordem, e que o universo funciona de tal modo que do caos nascem novas estruturas, chamadas “estruturas dissipativas”. É preciso entender, portanto, que a teoria do caos não se opõe radicalmente à teoria determinista, no sentido de propor que só existe o caos e o azar. A teoria do caos propõe para o universo um ciclo de ordem, desordem, ordem, etc, de modo que um ciclo leva ao outro sucessivamente e (provavelmente) indefinidamente. Desse modo, é proposto um modelo de mundo que não segue o modelo do relógio, previsível e determinado, mas sim um modelo que tem aspectos caóticos: desse modo não é o observador quem cria a instabilidade ou a imprevisibilidade com a sua ignorância, pois elas existem de modo intrínseco na estrutura do mundo.
De acordo com os teóricos do caos, os sistemas estáveis, como a órbita da Terra ao redor do sol, são a exceção, a maioria dos sistemas são instáveis. Antes citei os seres vivos para ilustrar a passagem do caos para a ordem, mas são eles também sistemas instáveis: um ser vivo não está em equilíbrio com o meio ambiente. Considerando esse ponto é perfeitamente compreensível a influência crescente que a teoria do caos vem exercendo sobre as outras áreas do saber - e em especial na bioquímica, nos estudos sobre a origem da vida e a evolução, sobre os ecosistemas, etc.

Duas considerações sobre o azar

Para ilustrar a diferença entre os dois modelos, o determinista e o caótico, imagine o que ocorre quando testa a “sorte” no lançamento de uma moeda com vistas a obter “cara” ou “coroa”. Um representante fiel do modelo determinista, como foi o caso de René Thom, vai sustentar que, conhecendo as condições iniciais - o peso da moeda, a sua posição inicial antes do lançamento, a sua forma etc - e as leis físicas que regem o processo - a lei da gravitação, os coeficientes aerodinâmicos, os vetores do lançamento, o formato da superfície que vai receber a moeda etc - é possível predizer com absoluta certeza se o resultado será “cara” ou “coroa”.
Um representante do modelo caótico, ao contrário, vai defender que a previsão exata do resultado do lançamento não só é muito difícil mas é, inclusive, teoricamente impossível. De fato, segundo o ponto de vista de Prigogine, a condição inicial da moeda que levaria a um resultado “cara” pode ser tão próxima quanto se queira da condição inicial da moeda que levaria a um resultado “coroa”, e inclusive essa duas condições iniciais poderiam ser iguais, sem que isso produza necessariamente resultados finais diferentes. Isso ocorre porque os sistemas dinâmicos instáveis evoluem através de “zonas de incerteza” onde já não reinam as leis eternas da física, e assim cai por terra a visão determinista do mundo, mostrando que o azar tem parte efetiva na realidade.

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