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28 de fev. de 2015

Como é calculado o dia em que calha o Domingo de Páscoa?


A Páscoa é uma festa móvel – a sua data varia de ano para ano e depende da primeira lua cheia após o Equinócio da Primavera. Do cálculo do dia em que acontece a Páscoa depende o Carnaval (47 dias antes da Páscoa) e a quinta feira do Corphus Christ (60 dias depois da Páscoa).

Só em 1913 e em 2008 a Páscoa foi em 23 de Março (e só em 2228 voltará a ser). A 22 de Março foi em 1818 e voltará a ser em 2288!

Mas como é calculado o dia em que calha o Domingo de Páscoa?


Há vários algoritmos mas o mais utilizado é o de Karl Friederich Gauss . Este grande matemático, astrônomo e físico (1777 -1855) que deixou obra tão importante como o inicio da Análise Matemática, o método dos mínimos quadrados (ainda muito utilizada, em que o “mais provável” de algo que é medido é obtido apos várias medições), a lei de Gauss 
(relação entre o fluxo eléctrico e a quantidade de carga), a descoberta de Ceres    (que todos pensavam ser um cometa), bem como a invenção de vários dispositivos (como um aparelho que permitia a observação de pequenos astros).

O método de Gauss para a determinação do dia em que cai o Domingo de Páscoa é muito simples e não envolve mais do que o cálculo de restos de divisões inteiras. Esta é a fórmula válida entre 1900 e 2099.

Começa por determinar o resto da divisão por 4 do número correspondente ao ano. Chama-lhe A. De seguida determina B, resto da divisão do ano por 7, e C resto da divisão do ano por 19. Calcula primeiro 19xC+24, divide o número obtido por 30 e designa por D o resto. Só falta calcular E: para isso calcula o resto da divisão de 2A+4B+6D+5 por 7.

Soma D com E.

Se D+E≤9, então a Páscoa cai a 22+D+E de Março.

Se D+E>;9, então a Páscoa cai a D+E-9 de Abril

Duas correções à formula:

Se D=28, E=6 e C>10 então a Páscoa é no dia 18 de Abril (e não a 25 de Abril).

Se D+E=35 então é em 19 de Abril (e não a 26 de Abril).

Assim o dia de Páscoa cairá sempre num dia entre 22 de Março e 25 de Abril.

Para este ano A=E=0, B=3, C=D=17, e, segundo Gauss, como D+E>9 a Páscoa vai ser no dia 17+0-9 de Abril. Confirma-se...

5 de fev. de 2015

O ZERO


“Vazios” que revolucionaram a matemática
Por Cristina Caldas

Nós em cordões, cortes em pedras, varinhas de plantas, entalhes em pedaços de ossos são apenas alguns exemplos de métodos de contagem utilizados pelo homem ao longo de sua história. Mas foi a invenção do zero, cuja etimologia remonta ao vazio, que revolucionou o sistema de numeração, impactando inúmeras sociedades, principalmente após o século XIII. O que seria da ciência atual sem o zero?
“A matemática, na antiguidade, era um sistema de contagem e você só conta o que está ali para contar”, explica Ubiratan D'Ambrósio, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). No entanto, chega um momento na história onde escrever números torna-se complicado. O sistema de numeração dos romanos, por exemplo, era extremamente complexo – e não existe algarismo romano para o zero. “Surge então, vindo da Índia, a idéia de uma notação posicional, onde com alguns símbolos você pode escrever qualquer número. O zero passou a ser um instrumento para escrever qualquer número”, complementa D'Ambrósio, que se dedica ao estudo da história e filosofia da matemática.
Usamos a tal “notação posicional” o tempo todo. No nosso sistema numérico hindu-arábico, o número três pode representar diferentes valores dependendo da sua posição: se estiver sozinho significa três unidades, se estiver na frente de outros números, pode representar dezenas, centenas, milhares, e assim por diante. Por exemplo, no número 388, o três está representando três centenas. Hoje em dia pode parecer simples, mas não foi sempre assim.
E como se deu o processo de construção lógica que culminou na notação posicional e invenção do zero? Fabiane Guimarães, que defendeu recentemente a dissertação de mestrado Sentidos do zero pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), sob orientação de D'Ambrósio, fez um passeio pelos diferentes sistemas de numeração desde o ano 5000 a.C.
Começando com os egípcios, que representavam os números por meio de combinações de poucas figuras, como flor de lótus, homem e peixe, Guimarães destaca que “o sistema numérico dos egípcios não necessitava do zero porque os algarismos egípcios tinham valores fixos não importando a posição que se encontrassem”. Por exemplo, o símbolo de um peixe representava sempre o valor cem mil, independentemente de sua posição.
Guimarães explica que os gregos absorveram e ampliaram a cultura egípcia, substituindo figuras por letras, tirando do seu alfabeto símbolos para representar uma quantidade maior de números. Tanto os egípcios quanto os gregos usavam o princípio aditivo: para saber os números que os símbolos representavam era preciso somar os valores dos diferentes símbolos.
Número 87: egípcio, grego, romano e hindu-arábico
Já os romanos, tiveram contato com o sistema grego, mas tinham seu próprio sistema de numeração que utilizava letras relacionadas a quantidades, faziam agrupamentos e utilizavam tanto o princípio aditivo quanto subtrativo (nove em algarismo romano é representado pelo IX, ou seja, dez menos um).
Foram os indianos, influenciados pelas idéias dos babilônios, que criaram o sistema de numeração decimal que utilizamos até hoje, segundo Guimarães. “Os numerais indianos passaram por uma longa evolução”, esclarece Dick Teresi, no livro Descobertas perdidas. Utilizando tábuas de contar divididas em colunas para as unidades, dezenas, centenas, milhares, e assim por diante, os indianos preenchiam as diferentes colunas com os símbolos relativos às diferentes quantias.

No começo, representavam os números através da escrita, onde cada um dos nove números inteiros tinha um nome: eka – 1; dvi – 2; tri – 3; catur – 4; pãnca – 5; Sat – 6; sapta – 7; asta – 8; nava – 9. Assim, explica Guimarães, ainda numa forma verbal e já adotando a base dez, nasceu o sistema de posição indiano. E quando não havia unidade alguma em determinada ordem decimal, utilizaram a palavra sūnya, vazio. Por exemplo, o número 1001 era escrito “eka sūnya sūnya eka”. Nascia o zero indiano.
D'Ambrósio não vê, no momento da gênese do zero, reflexão filosófica alguma a respeito da natureza do zero, do vazio. “Ele aparece como uma conveniência de poder fazer operações mais elaboradas”, diz. Depois disso sim, uma série de biografias do zero surgem, como o livro O nada que existe – uma história natural do zero, de Robert Kaplan. 
Sucesso do zero: uma conjunção de fatores
O zero entra na Europa entre os anos de 900 e 1000 d.C., mas não chama a atenção naquele momento. Já por volta de 1200 d.C., aparece o italiano Leonardo de Pisa, conhecido como Fibonacci, que escreveu o Líber abaci, apresentando o novo sistema de numeração hindu-arábico que havia aprendido com os árabes. Foi o maior best-seller da história, várias pessoas publicaram livros parecidos, segundo D'Ambrósio. O ponto forte da obra era a notação posicional que possibilitava a construção de tabelas de operações, multiplicações, adição que, na época, eram extremamente complicadas. E qual é a explicação para tamanho sucesso?
Considerando as reflexões filosóficas do momento, as observações dos movimentos dos planetas (o que se passa no céu? Céu considerado como a obra mais visível de Deus; Deus estaria se manifestando nesses movimentos, brincando com os astros, jogando-os de um lado para o outro), as contagens dos objetos, com todo esse pano de fundo o sistema de numeração hindu-arábico encontrou solo fértil para se desenvolver e se espalhar. “Uma conjunção de fatores levou ao sucesso do zero”, segundo o matemático. “Existia a necessidade de explicar todos esses fenômenos, ligado a um Deus que você quer entender e isto só foi possível com um sistema prático de medir tudo isto”. Daí a explicação do sucesso do zero naquele momento, naquele lugar.
Ao mesmo tempo, explica D'Ambrósio, esses mesmos padres e esses mesmos filósofos também estavam interessados no desenvolvimento de uma economia que foi fundamental para o desenvolvimento da igreja. Os grandes astrônomos e os grandes filósofos naturais eram também os grandes economistas e entra em jogo toda a questão do mercado, já que uma série de instrumentos – dentre eles, os números – tornavam-se necessários ao desenvolvimento econômico e mercantil.
Daí a explicação para a citação de Tobias Dantzig. Em seu livro Número: a linguagem da ciência, o matemático chama o zero de “uma das maiores realizações singulares da humanidade”. D'Ambrósio concorda: “O que distingue o grande desenvolvimento que ocorreu na Europa foi justamente a fusão de todos os fatores que listei e um instrumento básico para permitir esta fusão foi a numeração, e este sistema de numeração só funciona porque tem o zero”. O que seria de toda a ciência moderna, com suas contagens e observações sem um sistema de numeração adequado? “Sem dúvida o zero foi uma das maiores realizações. Sem ele, estaríamos fazendo conta com pedrinhas”, brinca o matemático.
Não é possível atribuir a criação do zero a uma única cultura e este é um campo controverso dentro da história da matemática. Os maias tinham também um zero, “com uma conotação mística mais explícita, que é o componente do vazio teológico. Deus é infinito, o que acaba criando um vazio sobre o que não é Deus. Este tipo de interpretação, de natureza religiosa, mística, aparece mais explícito no zero maia”, segundo D'Ambrósio.
O conjunto-vazio
A matemática foi impactada também pelo chamado conjunto vazio. “O conjunto vazio desempenha, na teoria dos conjuntos, um papel dual do zero na teoria dos números. Uma de suas maiores importâncias reside neste fato, pois várias propriedades na álgebra dos conjuntos são definidas analogamente àquelas da teoria dos números”, explica o matemático Gauss Cordeiro, da Universidade Federal Rural de Pernambuco.
O campo é árido e de difícil compreensão para os distantes da matemática. “Georg Cantor <CRIADOR da="" teoria="" dos="" conjuntos,="" no="" final="" do="" século="" xix="">era além de tudo um espiritualista, e principalmente o começo da teoria dos conjuntos é de difícil compreensão, pois ele era muito ligado também às reflexões teológicas e filosóficas, o que torna suas idéias mais inacessíveis ainda”, pondera D'Ambrósio.</CRIADOR>
Mas imagine uma sacola cheia de números pares e outra cheia de números ímpares. O que as duas sacolas têm em comum? Nada. É uma explicação simples para o conjunto vazio. D'Ambrósio conta que, com a chegada da teoria dos conjuntos, os matemáticos começam a tentar fazer operações com eles. “Nessas operações, é muito conveniente você representar o que é comum entre dois conjuntos que não têm nada em comum”, explica. A operação intersecção exige que exista um vazio.
Tal conceito é parte da teoria dos conjuntos, teoria esta que impactou muito a matemática. “Praticamente não há hoje nenhum campo da matemática que não tenha recebido o impacto da teoria dos conjuntos”, afirma Howard Eves em seu livro Introdução à história da matemática. De acordo com ele, a descoberta de paradoxos ou antinomias nas bordas de tal teoria foi a última das três crises profundamente perturbadoras que os fundamentos da matemática sofreram, antecedida pela criação do cálculo por Newton e Leibniz e a noção de que nem todas as grandezas geométricas da mesma espécie são comensuráveis.

O conjunto vazio impactou também a probabilidade e estatística. “Sem o conjunto vazio, todos os métodos de contagem (combinações, arranjos e permutações) não poderiam ser a base de toda a teoria da probabilidade, pois o conjunto vazio permite ‘mostrar' que o fatorial de zero é igual a um”, destaca Erick de Paula Crisafuli, mestre em história da matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Assim sendo, explica, as principais distribuições discretas de probabilidades (binomial, poisson, hipergeométrica e geométrica) poderiam apresentar uma falha epistemológica de grande magnitude. Os teoremas de Poisson e de Bernoulli consideram o vazio, pois dependem dos métodos de contagem além das séries de logaritmos.
Tais “vazios” revolucionaram a matemática. Cheios de sentido, se aproximam do quadro O grito de Edvard Munch. “ O grito é a expressão de não perceber nada”, conclui D'Ambrósio.
E, como diria Chico Buarque,

“É sempre bom lembrar
que um copo vazio 
está cheio de ar. 
Que o ar no copo ocupa o lugar do vinho, 
que o vinho busca ocupar o lugar da dor. 
que a dor ocupa metade da verdade,
a verdadeira natureza interior”.

CAOS


Também conhecida por teoria das estruturas dissipativas, propõe que o mundo não segue um modelo ordenado, previsível e determinado, mas é antes o resultado de uma seqüência desordenada de fenômenos caóticos, e que a imprevisibilidade e a instabilidade existem intrinsecamente no mundo e não resultam apenas da ignorância do observador.
Em sua forma vulgarizada é comum apresentar a teoria do caos referida ao famoso “efeito borboleta”, muito explorado nos filmes de ficção científica. A suposição de que “o bater das asas de uma borboleta na Califórnia pode causar um maremoto no mar da China”, ou outra proposição exótica igualmente exagerada, costuma ser utilizada com o propósito de chocar o leigo, mas se explicaria através de uma seqüência de relações de causa e efeito arbitrariamente selecionadas numa cadeia de eventos que atua como um grande amplificador de resultados. Pois bem, exagerada ou não, vou tomar essa quase brincadeira como ponto de partida para começar a falar da teoria do caos.
Inicio considerando as relações de causa e efeito. Do ponto de vista qualitativo, as relações causa-efeito podem ser concebidas de três maneiras distintas: (1) como vínculos unidirecionais: A causa B, B causa C, etc, sem que os efeitos resultantes voltem a exercer influência sobre as causas originais; (2) como eventos independentes: cada evento ocorre por azar, independentemente dos outros, o que em termos práticos equivale a dizer que, na verdade, não há nem causas e nem efeitos; (3) como vínculos circulares: A causa B, B causa C, e C volta a causar A; ou seja, os efeitos voltam a influir sobre as causas, e por consequência cada evento é ao mesmo tempo causa e efeito.
A teoria do caos, na medida que considera que existem processos aleatórios, trata os eventos como independentes; entretanto, quando considera que nem todo processo é verdadeiramente caótico, mas que há algum tipo de ordenamento - de outro modo ninguém poderia mesmo fazer ciência -, também defende a existência dos vínculos causais. É essa aparente contradição que eu gostaria de explorar agora.
Do ponto de vista quantitativo, temos também três alternativas para a correspondência entre causa e efeito: (A) a causa e o efeito são proporcionais; (B) uma pequena causa produz um grande efeito; e (C) uma grande causa produz um pequeno efeito.
Parece-me que a primeira alternativa, a proporcionalidade entre a causa e o efeito, pode ser considerada como um tipo de caso padrão. Na mecânica clássica, a terceira lei de Newton fala de proporcionalidade: “Quando um corpo A exerce uma força sobre um corpo B, este exerce sobre A uma força de mesmo módulo, mesma direção e sentido contrário sobre A“, e muitos outros exemplos poderiam ser elencados: a lei de Hooke [1], a lei de Boyle [2], a lei de Ohm [3] etc, todas rezam algum tipo de proporcionalidade entre causa e efeito.
Todavia, também são bastante comuns os casos de pequenas causas que produzem grandes efeitos. Como primeiro exemplo recordo Arquimedes - “Dei-me uma alavanca e um ponto de apoio e eu moverei o mundo” - e depois uma grande quantidade de eventos físicos cotidianos bem conhecidos: a ponta de um alfinete que encosta num balão, uma pequena gota de água a mais que faz transbordar toda uma banheira, etc.
Há ainda, é claro, os casos em que uma grande causa produz um pequeno efeito. Essa classe de eventos não nos interessa particularmente agora mas, para completar os exemplos, cito as relações de conversão entre massa e energia, quando a teoria da relatividade ( e = mc2 ) revela a enorme quantidade de energia necessária para acrescentar uma pequena quantidade de massa em um sistema fechado.
De volta ao “efeito borboleta”, concluímos então o seguinte: (a) trata-se de uma cadeia de vínculos unidirecionais, se consideramos que o que ocorrerá no futuro não afetará novamente o passado, retroativamente; (b) trata-se de um caso de pequenas causas produzindo grandes efeitos; (c) dada a complexidade das variáveis é impossível prever o que ocorrerá no futuro; e, portanto, (d) é impossível exercer algum controle na influência das causas sobre os efeitos, ou seja, tanto é impossível impedir que alguma borboleta voe em algum lugar da Califórnia quanto é impossível impedir o que ocorre depois como efeito disso.

Dois modelos de mundo

De um lado temos a teoria determinista e do outro temos a teoria do caos.
A teoria determinista está representada por Newton, Laplace e outros pensadores do séc. XVII em diante. No séc. XX encontrou um grande defensor em Einstein [4], mas talvez o seu representante mais autorizado seja o matemático francês René Thom, recentemente falecido [5]. Segundo o modelo determinista, o universo funciona como um relógio regido pelas imutáveis leis da natureza, não existindo nele lugar para o azar. Isso implica na possibilidade de prever a ocorrência de qualquer fenômeno físico B uma vez conhecida a situação anterior A e as leis que regem o processo que vai de A a B. Como resultado, os deterministas atribuem o azar ao desconhecimento das leis que regem o processo natural ou ao desconhecimento da situação inicial.
Comparativamente ao modelo determinista podemos dizer que a teoria do caos é ainda recente como ciência. Entre os nomes associados aos seus representantes encontramos Niels Bohr [6], Predrag Cvitanovic [7], Leo Kadanoff [8], Ilya Prigogine [9].
Como porta de acesso possível para entender o novo modelo, escolho o trabalho de Prigogine. Enquanto a termodinâmica clássica tratava principalmente dos processos reversíveis, e na química dos processos com estados de equilíbrio, Prigogine se interessava pelos sistemas em não-equilíbrio, que acreditava serem os mais comuns no mundo real. Ele desenvolveu modelos matemáticos para esses sistemas e pode demonstrar, em termos gerais, como as estruturas dissipativas (como ele as denominou) são criadas e mantidas. No quadro, observa-se que todos os sistemas inanimados tendem em geral a um estado de crescente desordem (aumento de entropia), enquanto que os sistemas vivos atingem um estado organizado e ordenado a partir de matérias relativamente desorganizadas. Isso levanta duas questões nucleares para a teoria do caos:
  1. Como ocorre a passagem do caos para a ordem?
  2. Como ocorre a passagem da ordem para o caos?
A teoria do caos, no seu essencial, sustenta que a realidade é um entrelaçamento de ordem e desordem, e que o universo funciona de tal modo que do caos nascem novas estruturas, chamadas “estruturas dissipativas”. É preciso entender, portanto, que a teoria do caos não se opõe radicalmente à teoria determinista, no sentido de propor que só existe o caos e o azar. A teoria do caos propõe para o universo um ciclo de ordem, desordem, ordem, etc, de modo que um ciclo leva ao outro sucessivamente e (provavelmente) indefinidamente. Desse modo, é proposto um modelo de mundo que não segue o modelo do relógio, previsível e determinado, mas sim um modelo que tem aspectos caóticos: desse modo não é o observador quem cria a instabilidade ou a imprevisibilidade com a sua ignorância, pois elas existem de modo intrínseco na estrutura do mundo.
De acordo com os teóricos do caos, os sistemas estáveis, como a órbita da Terra ao redor do sol, são a exceção, a maioria dos sistemas são instáveis. Antes citei os seres vivos para ilustrar a passagem do caos para a ordem, mas são eles também sistemas instáveis: um ser vivo não está em equilíbrio com o meio ambiente. Considerando esse ponto é perfeitamente compreensível a influência crescente que a teoria do caos vem exercendo sobre as outras áreas do saber - e em especial na bioquímica, nos estudos sobre a origem da vida e a evolução, sobre os ecosistemas, etc.

Duas considerações sobre o azar

Para ilustrar a diferença entre os dois modelos, o determinista e o caótico, imagine o que ocorre quando testa a “sorte” no lançamento de uma moeda com vistas a obter “cara” ou “coroa”. Um representante fiel do modelo determinista, como foi o caso de René Thom, vai sustentar que, conhecendo as condições iniciais - o peso da moeda, a sua posição inicial antes do lançamento, a sua forma etc - e as leis físicas que regem o processo - a lei da gravitação, os coeficientes aerodinâmicos, os vetores do lançamento, o formato da superfície que vai receber a moeda etc - é possível predizer com absoluta certeza se o resultado será “cara” ou “coroa”.
Um representante do modelo caótico, ao contrário, vai defender que a previsão exata do resultado do lançamento não só é muito difícil mas é, inclusive, teoricamente impossível. De fato, segundo o ponto de vista de Prigogine, a condição inicial da moeda que levaria a um resultado “cara” pode ser tão próxima quanto se queira da condição inicial da moeda que levaria a um resultado “coroa”, e inclusive essa duas condições iniciais poderiam ser iguais, sem que isso produza necessariamente resultados finais diferentes. Isso ocorre porque os sistemas dinâmicos instáveis evoluem através de “zonas de incerteza” onde já não reinam as leis eternas da física, e assim cai por terra a visão determinista do mundo, mostrando que o azar tem parte efetiva na realidade.

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