Pegue uma
folha de caderno e escreva um número de três algarismos. O número escolhido não
pode ser o mesmo de trás para frente, como 545, 737, 111 ou 101, pois esse tipo
de número está imune à “magia”. Anote também o número 1089.
Agora
vamos pedir que faça alguns cálculos (pode usar uma calculadora): encontre a
diferença entre o número que escreveu e esse número escrito de trás para frente
(invertendo ordenadamente a posição dos algarismos), subtraindo o menor do maior
número. Depois, some o resto obtido com o resto escrito de trás para frente. Se
o resto tiver dois algarismos, adicione zero ao início. Com a habilidade de “ler
mentes” (mesmo à distância), sabemos que o resultado que obteve é 1089, o
“número mágico”. Parece mágica, mas a matemática explica como isso é possível¹.
Adivinhações ou previsões fazem parte da
nossa cultura desde a infância. Essa arte encanta crianças, jovens e adultos que
se divertem muito fazendo truques ou mágicas, principalmente quando o mágico
elabora uma história carregada de mistérios. Nesse sentido, a matemática é
riquíssima. É claro que o mais importante é a justificativa dos desafios, ou
seja, por meio dela é possível explicar truques que parecem impossíveis em um
primeiro momento.
Falar de
mito, mágica, magia é sempre muito instigante e, sobretudo, curioso. Nos mitos
há a presença de símbolos, personagens sobrenaturais, deuses e heróis, e os
povos antigos os utilizavam para explicar fatos obscuros para a ciência,
utilizando diversos rituais como dança, sacrifícios e orações. Na Idade Média, a
influência da Igreja Católica era muito grande e tudo que discordava de seus
dogmas era considerado bruxaria, com bruxos julgados e condenados pela Santa
Inquisição. Com o passar do tempo surgiram os primeiros ilusionistas,
prestidigitadores ou, simplesmente, mágicos, com “poderes” perfeitamente
compreendidos pela ciência. Hoje foram popularizados e estão nos palcos de
teatros e circos do mundo todo – as crenças foram deixadas de lado e começou-se
a buscar o princípio lógico das mágicas, inclusive as considerando truques. No
entanto, o termo ainda é utilizado quando não se consegue explicar algo
cientificamente.
No senso
comum, na escola, parcela significativa de pessoas considera a matemática
difícil, complicada e distante da realidade. O mito de ciência difícil, sem
grandes atrativos e possível apenas aos muito inteligentes percorre gerações.
Sabe-se também que a atitude do professor e as metodologias usadas são
fundamentais no combate ou no reforço desse mito. Atividades envolvendo
desafios, jogos e curiosidades, se trabalhadas adequadamente, contribuem
positivamente no processo de aprendizagem, e a mágica pode ser utilizada como
elemento lúdico, tornando as aulas mais prazerosas. Para descobrir os truques, o
estudante faz várias tentativas, o que estimula o desenvolvimento de habilidades
tais como a desenvoltura em realizar operações aritméticas simples, a
curiosidade (fundamental para pesquisas) e a busca de padrões. Desvendar o
mistério envolvido no truque eleva a autonomia e a autoestima. A tentativa e o
erro são importantes no processo percorrido, pois na investigação matemática o
resultado é relevante, mas ainda mais importante é o caminho percorrido para
encontrá-lo.
A mágica
também estimula o gosto pelo raciocínio lógico-dedutivo e introduz, de maneira
intuitiva, resultados de lógica matemática. Assim, pode ser uma alternativa
pedagógica para contextualizar certos tópicos, despertando a motivação dos
estudantes quando envolvidos em atividades desafiadoras. Muitos
truques baseiam seus princípios em conceitos matemáticos e são bem fáceis de
serem realizados. Propusemos, no “Projeto de extensão matemática:
(re)significando saberes, construindo cidadania”, atividades dessa natureza com
estudantes de 6 a 14 anos envolvendo ações divertidas e desafiadoras.
No campo
de conhecimento relativo a números e operações, foi proposta uma atividade na
qual uma pessoa era escolhida como ajudante e lançava dois dados, colocados um
em cima do outro, sobre a mesa. O mágico “adivinhava” a soma dos números que
ficaram escondidos. Eram três faces escondidas (a que está sobre a mesa e as
duas que se encostam). Esse truque é muito simples, após percebermos que a soma
do que consta na face inferior e na face superior de um dado com seis faces
sempre resulta em sete, padrão que passa despercebido para a maioria das
pessoas. Como são dois dados, então 7 x 2 = 14. Logo, basta subtrair de 14 o
número da face superior visível e terá a soma das três faces que estão
escondidas.
Os
resultados desse trabalho foram bastante significativos. Observamos que nas
mágicas que envolviam cálculos, os estudantes apresentavam inicialmente um pouco
de dificuldade, principalmente quando exigia o cálculo mental. Na maioria das
vezes, somavam nos dedos e se atrapalhavam quando o valor era alto. Percebemos
também a dificuldade em entender a mágica quando era apenas explicada, tendo que
ser realizada mais de uma vez para que a compreendessem e pudessem
realizá-la/testá-la com um colega. À medida que avançavam nas atividades,
tornavam-se cada vez mais ágeis, entendiam a lógica presente, realizavam os
cálculos mentais mais rapidamente, tinham raciocínio mais aguçado, prestavam
mais atenção no passo-a-passo e se esforçavam para descobrir o segredo.
Defendemos
a ideia de que a capacidade para aprender matemática (ou ciências de modo geral)
é inseparável do gosto pela ciência, desenvolvido nos estudantes ao vivenciar
experiências que se constituem desafios prazerosos. A
matemática é uma ciência viva, sendo possível estabelecer relações com o
estético, o belo, a música, a literatura, o jogo e a brincadeira, e nessas
relações possibilitar o resgate do lúdico e do prazer. A ludicidade, em geral,
traz a oportunidade do surgimento de laços afetivos e o desenvolvimento pessoal,
permitindo a autodescoberta, a formação da autoconfiança, do senso crítico e da
atitude cooperativa e solidária, o que consideramos um campo fértil para o
ensino da matemática.
Por Cláudia Maria Grando e Rosemari Ferrari Andreis
10/11/2013
Cláudia Maria
Grando é professora do curso de matemática da Universidade
Comunitária da Região de Chapecó (UNOCHAPECÓ)
claudia@unochapeco.edu.br
Rosemari Ferrari
Andreis é professora do curso de matemática
da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (UNOCHAPECÓ)
rosemari@unochapeco.edu.br
NOTA:
1-Considerando, de modo geral, C, D e U os algarismos, ao formar o número
o valor de cada algarismo fica definido a partir de sua posição (centena,
dezena, unidade) e pode ser decomposto em 100C + 10D + U. Quando subtraímos CDU
– UDC temos (100C + 10D + U) – (100U + 10D + C). Subtraimos o menor do maior,
então U < C. A subtração exige o recurso de transformar uma das dezenas em
dez unidades. Desse modo temos 100C + 10(D – 1) + (U + 10) – 100U + 10D + C. O
mesmo procedimento deve ser feito com as centenas (juntar uma das centenas com
as dezenas), pois (10 – 1)D < 10D. Assim, a centena 100C ficará 100(C – 1) e
a dezena (10 – 1)D ficará (10 – 1)D + 100. Agora vamos subtrair termo a termo:
100(C – 1) + 10(D – 1) + 100 + (U + 10) – 100U + 10D + C = 100(C – 1 – U) + 10
(D – 1 – D) +100 + (U + 10 – C) = 100(C
– 1 – U) + 90 + (U + 10 – C). O próximo passo é inverter a
ordem dos algarismos do resultado e somar. Teremos: 100(C – 1 – U) + 90 + (U +
10 – C) + 100(U + 10 – C)+ 90 + (C – 1 – U) = 100(C – 1 – U + U + 10 – C) + 180 + (U + 10 – C + C – 1 – U)
= 100 ▪ 9 + 180 + 9 = 900 + 180 + 9 = 1089.Chega-se a esse resultado para quaisquer algarismos C, D, U. Vale
destacar a restrição de que o número escolhido não seja o mesmo de trás pra
frente, porque ao efetuar a operação de subtração o resultado seria zero,
inviabilizando a “mágica”.
Referências:
Alves, E. M. S. A ludicidade e o ensino da matemática: uma
prática possível. São Paulo: Papirus, 2001. Benetão, M. B. C. Projeto:
jogos matemáticos como recurso didático. Disponível em:
www.teoleokohler.seed.pr.gov.br/redeescola/escolas/ 7/2740/31/arquivos/File/Projeto%207G.pdf.
Acesso em: jun 2012. Dohme, V. Atividades lúdicas na
educação: o caminho de tijolos amarelos do aprendizado. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2009. Gonçalves, A. M.; Perpétuo, S. C. Dinâmicas de grupo na
formação de lideranças. São Paulo: DP&A, 2007. História da Mágica.
Disponível em: universidadedamagica.com/udm/br/historia.asp. Acesso em: 15 out
2007. Lopes, M. G. Jogos na educação: criar, fazer, jogar. São
Paulo: Cortez, 2000. Macedo, L.e; Petty, A. L. S.; Passos, N. C. Aprender
com jogos e situações-problema.Porto Alegre: Artes Médicas
Sul, 2000. Nakaran, P. Mágicas de salão. Rio de Janeiro: Tecnoprint,
1979. Nogueira, C. R F. Bruxaria e história: as práticas mágicas no
ocidente cristão. São Paulo: Ática, 1991.
FONTE: COM CIÊNCIA
|